segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

História de um Furto Saudável

Lembro-me da última vez que me roubaram uma piada.

O sol já estava posto nessa noite de Verão. Olhava para a água estagnada, iluminada pelo brilho límpido do luar, enquanto pensava no que mais tinha de fazer. Enquanto, desesperado, arranjava soluções inúteis para parecer animado e sem qualquer chatice. Numa analogia cinéfila, tentado entrar em modo Hakuna Matata quando na realidade me encontrava em modo Scarface.
Foi assim da última vez que me roubaram uma piada.
Vendo bem, não foi uma piada mas sim o popular (?) chavão "O que é preciso é saúde!" que, admito, não tem grande piada. Mas de tão inesperado vindo de mim -- pois é uma frase que apenas costuma ser popular no vocábulo de senhoras de idade com problemas de coluna, algo que eu não sou... ainda -- é algo que costuma ser engraçado.
Para quem ainda se questiona, sim, posso considerar a frase roubada uma vez que mais ninguém a tinha usado naquele local de memórias agridoces e por aquela altura era uma espécie de catch-phrase minha, qual actor secundário numa sitcom de mau gosto.

O ladrão é desconhecido. Mais que isso, indiferente. Nem sequer amigo de Facebook (aquela rede social que nos dá um bom nº de visualizações), o que contradiz a citação cinéfila "Mantém os teus amigos perto e os teus inimigos ainda mais perto".
O ladrão também não estava a fazer o seu primeiro furto. Nem o mais valioso. Qual Clyde que julgava ser, havia furtado a (agora sua) Bonnie apenas dias antes. Limitou-se a espetar a bandeira no cume roubando uma frase, que em nada se comparava com aquele olhar indescritível, com o sorriso precioso do furto anterior. Ao pé da Bonnie, a frase valia tanto como um calhau do Homem-Aranha 3 quando comparado ao piano do Casablanca.

Voltando à ocorrência: não era algo com muita piada, óbvio, mas como algo que dizemos e pertencente a nós, mesmo que não inteiramente, causa impressão ouvir terceiros proferir tais sábias palavras. Porque de facto é preciso é saúde... mas apeteceu-me mesmo tirar-lhe a dele.

No entanto, e após a óbvia irritação qual Labrador que vê um caniche mijar no seu território, tive um sentimento. Mais um. E por raro que isso seja senti... orgulho. Não pela piada em si, que é uma merda (quer dizer... nem sequer uma piada é!) mas pelo aspeto irónico da coisa.
 Eu explico através da metáfora cinéfila: o orgulho vem de facto da ordem dos furtos: primeiro a Bonnie (oh, a Bonnie!) e depois o chavão (oh, a saúde!). A Bonnie troca de Clyde, que é obviamente "furtada" de livre vontade -- quer dizer, a vida não é um western ou um filme de raptos -- mas no entanto o Clyde novo, numa reviravolta inesperada, anda a tirar piadolas ao "good ol' Clyde". Ironia explicada? Pois, eu sei que não.

Mas seja o que for que isto signifique, foi nessa noite de Verão que percebi: há muitos mais chavões saloios de onde aquele veio.
E, saído da beira da água estagnada, concluí, embrenhado no fumo da metáfora, que enjoei do filme. Não contem comigo para mais furtos que eu já sei como é que o filme acaba. Spoiler alert: eles morrem os dois vítimas de tédio um do outro. Ah, e de balas da polícia.

Até para a semana.

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